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Por Redação Rádio Pampa | 14 de maio de 2023
De lados opostos do espectro político, Rosângela da Silva, a Janja, e Michelle Bolsonaro possuem mais em comum do que o fato de terem chegado à posição de primeira-dama do país. Com atuação de destaque nos mandatos dos maridos, além de potencial eleitoral, Janja e Michelle são constantemente alvos de comentários machistas, que muitas vezes as restringem às roupas que vestem ou aos lugares que frequentam — temas não observados quando o foco são o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o atual mandatário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre julho de 2022 e a última sexta-feira, as roupas de Janja e Michelle renderam 296,9 mil menções nas redes sociais — sendo três em cada quatro delas relacionadas à atual ocupante do posto. A socióloga é criticada em 59% das postagens que tratam sobre suas vestimentas, percentual que é de 53% no caso das menções à presidente do PL Mulher. Os dados são da consultoria Quaest.
Grande parte dessa repercussão on-line é encabeçada por políticos que estão ou já estiveram no Congresso e se destacam na oposição ao atual governo ou ao bolsonarismo.
No início do mês, quando o casal presidencial foi a Londres para a coroação do Rei Charles III, o vestido laranja de Janja no jantar de recepção foi o tema mais comentado pela oposição nas redes, com comparações pejorativas. O deputado Maurício do Vôlei (PL-MG) se referiu a Janja como “Janjabóbora”. O parlamentar afirmou que ela teria escolhido a cor “para distrair o povo do fato de que, até agora, não teve picanha”, em alusão a uma fala recorrente do presidente sobre o preço da carne durante a campanha. Outros deputados como Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Coronel Meira (PL-PE) também comentaram.
As críticas à roupa da primeira-dama se repetiram no dia seguinte, data da coroação. A coordenadora nacional do Movimento Brasil Livre (MBL), Amanda Vettorazzo, comparou o vestido e sobretudo vermelhos usados por Janja a uma embalagem de batata frita. Segundo dados da Quaest, o maior pico de críticas a Janja ocorreu no dia 1º de janeiro, quando Lula tomou posse, com o terninho escolhido pela primeira-dama alvo dos ataques.
As roupas de Michelle também eram tópico nas redes durante o mandato de Bolsonaro. Quando o antigo casal presidencial esteve em Londres para o velório da Rainha Elizabeth II, em setembro do ano passado, a escolha por um vestido tubinho preto e um véu de poá recebeu críticas de “brega” e “inadequado”. O evento foi o pico de menções às suas roupas no período.
“Michelle é incapaz de se arrumar sozinha (…) e ainda confunde funeral com festa, posou com o maquiador e postou no Instagram”, escreveu a então deputada federal Joice Hasselmann (PSDB-SP).
Há ainda casos de comparação entre as duas, como fez o ex-presidente da Fundação Cultural Palmares Sergio Camargo recentemente.
“O Brasil sente saudade da elegância de Michelle”, disse Camargo, postando fotografias das duas lado a lado.
Na avaliação de Juliet Matos, membro do Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados e coordenadora regional do Fórum de Mulheres de Partidos Políticos, este mecanismo reflete o estereótipo pejorativo:
“Janja é vista como a mulher que manda demais, se mete onde não é chamada e Michelle, como a mulher que melhora a imagem do marido, que vai dar um jeito no homem”, afirma Matos. “Apesar de uma ser socióloga e a outra dirigente de seu partido, as duas raramente são colocadas no papel de agente político.”
Ataque ao protagonismo
As especialistas afirmam que o papel de Janja e Michelle, com potencial eleitoral, é de maior protagonismo em relação à maioria das primeiras-damas anteriores. Essa mudança é, em parte, atribuída aos direitos femininos conquistados desde a redemocratização. No passado, as esposas dos ex-presidentes também sofriam críticas por suas vestimentas — como Rosane Collor, hoje Rosane Malta, que tinha o hábito de vestir conjuntos (saia, blusa, sapato e tiara) da mesma estampa.
Apesar disso, a cientista política Mayra Goulart, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que as primeiras-damas são mais bem recebidas na política do que candidatas mulheres independentes. De alguma forma, Michelle e Janja tiveram o “aval” masculino de seus maridos.
“O próprio lugar de primeira-dama é um reforço do patriarcado, um reforço da relação homem e mulher na qual a mulher assume uma posição secundarizada. Essa pessoa não tem um cargo, é apenas esposa de alguém. Essas críticas são uma resposta da sociedade conservadora à postura dessas mulheres que assumem um protagonismo feminino”, afirma.
No Ar: Pampa Na Madrugada