Sábado, 07 de Setembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 8 de abril de 2023
Vemos cada vez mais filmagens de pessoas recebendo cobranças em espaços públicos por suas atitudes pela câmera do celular. Um caso recente é o do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), filmado pela jornalista e ex-BBB Ana Paula Renault em um voo, dias após o político ter feito um discurso transfóbico na tribuna da Câmara dos Deputados, no Dia Internacional da Mulher deste ano.
“Você sabe que você poderia ter sido preso, né?”, diz Renault no começo do vídeo, gravando o parlamentar com o aparelho. A partir disso, Ferreira faz o mesmo e começa a discutir com ela.
O caso está longe de ser inédito. Durante a última Copa do Mundo, o cantor Gilberto Gil foi abordado dessa forma por bolsonaristas, que falaram termos como “Vamos, Lei Rouanet”, “Vamos, Bolsonaro” e “Obrigado, filho da p…”.
Pessoas anônimas também realizam essa abordagem. Em 2019, uma mulher foi abordada por um homem enquanto pegava algumas flores em um canteiro da calçada. Ele seguiu constrangendo-a, dizendo que ela não deveria ter feito isso.
Especialistas dizem a Byte que a democratização digital derrubou fronteiras importantes sobre o assunto, algumas das quais nem mesmo leis são capazes de reerguer. Cerca de 95% das casas brasileirs têm pessoas com celulares, segundo a última pesquisa TIC Domicílios do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Três dessas divisórias do público digital estão mais ameaçadas: a que divide o profissionalismo e o amadorismo; a da privacidade e o interesse público; e a entre um ato de cidadania ou de cyberbullying.
O que diz a Lei
Não há hoje uma lei específica para situações em que pessoas são abordadas e filmadas sem consentimento e/ou em espaços públicos, como os casos citados acima. Mas este tipo de atitude tem alguns amparos legais, como:
– A Constituição Federal, que cita como direito individual e inviolável a “intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”. Também garante o direito de resposta no caso de danos morais;
– O Código Civil, cujo 20º artigo diz que a exposição não pode violar “a boa fama, respeitabilidade e a honra”;
– O Código Penal, com seus artigos 139 e 140, que punem com prisão de um mês a três anos, além de multa, a difamar ou injuriar alguém. Traz ainda a hipótese de crime em registros não autorizados de imagens íntimas.
O Judiciário se equilibra para julgar processos no caso a caso, considerando principalmente se a pessoa que está filmando o faz por razões pessoais ou defendendo algum interesse público.
Em muitas situações, esses direitos também entram em conflito — algo comum, segundo advogados, na vida do Judiciário. Cabe às cortes, a partir daí, julgar cada ação específica para entender qual direito será o favorecido da vez.
“A legislação não traz a régua, vai muito do caso a caso”, diz Guilherme Klafke, pesquisador na FGV Direito.
Apesar da lei não trazer exceções a direitos como o de imagem, são considerados aspectos extraordinários na hora de julgar os casos. Exemplos são o exercício da atividade jornalística e a imagem de pessoas famosas.
Exposição
A exposição de pessoas em vídeo, por si só, não é exatamente uma novidade. É uma consequência do papel do próprio jornalismo, ao dar conhecimento a informações de interesse público.
Exemplos disso são denúncias de problemas em bairros e comunidades em telejornais locais e a devida cobrança aos responsáveis do poder público. Ou o quadro “Proteste Já”, do programa CQC (2008-2015).
Na política, muitos usaram deste recurso como uma estratégia para alavancar projetos e a própria imagem. Como exemplos disso temos Celso Russomanno (Republicanos-SP), que ficou conhecido por confrontar lojistas em um quadro de direitos do consumidor para telejornais; e Arthur do Val (União Brasil-SP), dono do canal do YouTube Mamãe Falei, onde discutia de celular na mão com pessoas supostamente de esquerda.
“Os políticos atravessaram a fronteira entre o íntimo e o privado e começaram a transformar sua vida íntima em um tipo de espetáculo. A partir daí, deram margem para questionamentos em todas as horas por dia. A ideia de uma vida reservada foi se esvaziando”, diz Mario Aquino Alves, professor de políticas públicas na Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP).
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