Quinta-feira, 18 de Abril de 2024

Home Você viu? Série da Netflix que virou sucesso mundial em apenas 25 dias reflete a realidade econômica da Coreia do Sul com crescente disparidade de riqueza, famílias endividadas e sonhos de dinheiro rápido

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Em “Round 6”, a famosa série distópica da Netflix, 456 sul-coreanos financeiramente desesperados encaram uma sequência de jogos infantis convertidos em disputas mortais na esperança de conquistar um prêmio em dinheiro para tentar quitar suas dívidas. Mas, exceto pela licença poética (para matar) dos roteiristas, a realidade econômica de um sul-coreano médio hoje não é muito distante daquela mostrada na telinha.

Koo Yong-hyun, um morador de Seul de 35 anos, nunca teve que enfrentar guardas homicidas mascarados ou cortar a garganta de seus concorrentes como os personagens da série fazem. Mas Koo, que maratonou “Squid Game” (como a série é conhecida internacionalmente) em uma única noite, disse que se identificava com os personagens em sua luta para sobreviver na sociedade profundamente desigual do país.

Para Koo, que viveu de bicos e cheques de auxílio-desemprego do governo depois que perdeu seu emprego estável, é “quase impossível viver confortavelmente com o salário de um funcionário regular” em uma cidade com preços de habitação em alta. Como muitos jovens na Coreia do Sul e em outros lugares, Koo vê uma disputa crescente para abocanhar uma fatia do bolo que está encolhendo, assim como os competidores de “Squid Game” (Jogo da lula).

Essas semelhanças ajudaram a transformar o drama de nove episódios em uma sensação internacional improvável.  “Round 6” se tornou a série mais assistida da Netflix no mundo, batendo todos os recordes de audiência da plataforma após 25 dias de estreia da atração, segundo dados do próprio serviço de streaming.

Os visuais característicos da série tiveram aceitação imediata no ambiente digital, especialmente as máscaras pretas decoradas com quadrados e triângulos que os guardas anônimos usam. A curiosidade em torno dos jogos infantis que aparecem na série também disparou, assim como as buscas por receitas de dalgona, uma típica guloseima coreana açucarada que está no centro de um dos confrontos mais violentos da história.

Violência e cinismo

Assim como a série de filmes e livros “Jogos vorazes”, “Round 6” captura a audiência com sua narrativa violenta, enredo cínico e – alerta de spoiler – tendência a matar os personagens favoritos dos fãs. Mas também desperta um sentido comum em pessoas nos EUA, Europa Ocidental e alhures: que alcançar a prosperidade nos ditos países ricos tornou-se cada vez mais difícil, à medida que as disparidades de riqueza aumentam e os preços das residências ultrapassam os níveis acessíveis.

“As histórias e os problemas dos personagens são extremamente personalizados, mas também refletem os problemas e realidades da sociedade coreana”, disse Hwang Dong-hyuk, o criador da série, por e-mail.

Ele escreveu o roteiro para ser um longa-metragem em 2008, quando muitas dessas tendências se tornaram evidentes, mas, recentemente, decidiu reformulá-lo para refletir novas preocupações, incluindo o impacto da pandemia de Covid-19. (Minyoung Kim, chefe de conteúdo para a região Ásia-Pacífico da Netflix, disse que a empresa estava em negociações com Hwang sobre a produção de uma segunda temporada.)

“Roud 6” é apenas a mais recente exportação cultural sul-coreana a conquistar uma audiência global ao explorar os profundos sentimentos de desigualdade e oportunidades cada vez mais escassas do país. “Parasita”, vencedor do Oscar de melhor filme em 2020, juntou uma família desesperada de vigaristas com membros alienados de uma família rica de Seul. “Em Chamas”, um sucesso do cinema de arte em 2018, gerou tensão ao mostrar a disputa de um jovem entregador com um rival abastado pela atenção de uma mulher.

A Coreia do Sul cresceu no pós-guerra, tornando-se um dos países mais ricos da Ásia e levando alguns economistas a chamar sua ascensão de “milagre no rio Han”, em referência ao curso de água mais importante do país. Mas a disparidade de riqueza piorou com o amadurecimento da economia.

Como as famílias sul-coreanas tentaram acompanhar o crescimento, o endividamento doméstico aumentou, levando alguns economistas a alertar que a dívida poderia travar a economia. Os preços das casas cresceram a tal ponto que o acesso à habitação se tornou um tópico político quente. Os preços em Seul dispararam mais de 50% durante o mandato do presidente Moon Jae-in, no poder desde 2017, e levaram a um escândalo político, com membros do governo suspeitos de usar informações privilegiadas para lucrar com programas de desenvolvimento habitacional do governo.

“Round 6” revela a ironia entre a pressão social para ser bem-sucedido na Coreia do Sul e a dificuldade de conseguir isso de verdade, afirma Shin Yeeun, que se formou na faculdade em janeiro de 2020, pouco antes de a pandemia chegar. Agora com 27 anos, ela disse que passou mais de um ano procurando um trabalho estável.

“É realmente difícil para pessoas na casa dos 20 anos encontrar um emprego de tempo integral hoje em dia”, afirma.

A Coreia do Sul também sofreu uma queda acentuada no número de nascimentos, gerada em parte por um sentimento entre os jovens de que criar filhos é muito caro.

“Na Coreia do Sul, todos os pais querem mandar seus filhos para as melhores escolas e, para fazer isso, você tem que morar nos melhores bairros”, disse Shin, que afirma que isso exigiria economizar dinheiro suficiente para comprar uma casa, uma meta tão irreal “que nunca me preocupei em calcular quanto tempo vai demorar”.

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