Segunda-feira, 14 de Outubro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 26 de junho de 2022
O uso de um remédio feito a partir da maconha, de acesso fácil nos Estados Unidos, virou um problema quando um jovem brasileiro retornou ao Brasil de viagem. Aqui, ele optou por cultivar a planta para extrair o óleo usado no tratamento de insônia e ansiedade, pois a importação do produto, mesmo legal, era muito cara. Sua tia, com um câncer, também passou a usar o óleo extraído da planta:
“Desde a Califórnia, já vinha sentindo diferença na minha saúde. Da minha tia, o que ela mais comenta é conseguir descansar a mente e o corpo”, disse o jovem, que pediu anonimato.
Para evitar problemas, pediu autorização, mas a juíza que analisou o caso não só negou o pedido, como também determinou que ele fosse investigado e intimado pela Polícia Federal. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo, reverteu a medida, autorizando o plantio para fins medicinais, e, em 14 de junho, ele conseguiu mais uma decisão favorável a ele e à tia, desta vez da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o segundo tribunal mais importante do país.
Nos Estados Unidos, ele aprendeu técnicas de plantio e preparo. Chegou a trabalhar numa fazenda que cultivava a planta na Califórnia. Ao jornal O Globo, disse esperar que ninguém mais tenha que enfrentar essa mesma dor de cabeça. “Graças a Deus, na semana passada, a gente conseguiu ficar em paz nesse sentido jurídico”, comemora.
No mesmo julgamento, a Sexta Turma do STJ também reverteu uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que havia negado ao engenheiro da computação Guilherme Martins Panayotou, de 27 anos, de Sorocaba (SP), o cultivo da maconha para fins medicinais. Desde os 12 anos ele sofre de insônia, ansiedade, estresse pós-traumático, transtorno misto ansioso e depressivo, transtorno depressivo recorrente e fobias sociais, e faz tratamento psiquiátrico. Nada funcionava até que sua mãe sugeriu o uso medicinal da maconha.
Antes do tratamento, perdeu emprego, repetiu de ano na escola e terminou um relacionamento em razão das doenças. Hoje, trabalha e está num relação que diz ser “bastante saudável”. Inicialmente ele importou o produto, mas o custo era alto. Depois procurou o mercado negro, mas tinha dúvidas da procedência do óleo. Passou a cultivar, mas sempre com medo de uma denúncia ou da visita da polícia, o que não chegou a ocorrer:
“Eu cultivava na casa da minha mãe, onde morava. Imagina chegar a polícia e minha mãe ir para a delegacia. Então eu dormia e acordava todo dia com medo.”
O uso medicinal da maconha, com importação, é legalizado, porém caro, e não há regulamentação do cultivo. Nas instâncias inferiores, há decisões tanto para autorizar o plantio, como para proibir o plantio – O GLOBO procurou a Justiça dos três maiores estados do país, mas não obteve estatísticas. E agora as decisões tomadas dia 14 valem apenas para essas três pessoas, mas também servem de precedente para outras cortes e juízes do país.
O STJ liberou, nestes casos, o cultivo com algumas regras, como um limite da quantidade de plantas. Guilherme contou que o cálculo foi feito por ele com a ajuda de um consultor contratado e é suficiente para seu tratamento.
“Quando se trata do uso medicinal, não posso dizer que esse limite é para todo mundo. Por isso há a necessidade de uma orientação médica. Não pode qualquer um a seu bel prazer sair plantando para uso próprio medicinal”, disse o ministro Sebastião Reis Júnior, relator de uma das ações.
No julgamento, o ministro Rogério Schietti Cruz, relator da decisão que beneficiou a tia e o sobrinho, criticou o Ministério da Saúde e a Anvisa, dizendo que um órgão joga para o outro a responsabilidade da regulamentação do cultivo. Procurada pelo GLOBO, a Anvisa informou que já regulamenta a venda de produtos derivados da maconha no varejo e a importação, mas “não regula o plantio”. O Ministério da Saúde disse que a inclusão de novos tratamentos é avaliada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que “atua sempre que demandada, considerando aspectos como eficácia, acurácia, efetividade e segurança”.
“Do ponto de vista da estrita leitura da lei, quem cultiva estaria incurso nas penas de tráfico. Só que no caso julgado a finalidade é proteger a saúde das pessoas que cultivam. Não há a intenção de traficar”, afirmou Schietti.
No Ar: Pampa Na Tarde