Sábado, 24 de Maio de 2025

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Há quem pense que advogar é falsificar a verdade, inventar narrativas, mentir. Muitas pessoas imaginam que nessa profissão intente-se justificar o injustificável. Mentir ou argumentar com o injustificável, em geral, não é bom caminho.

Agora, oa advogadoa pode explicar uma situação, mostrando que nem sempre é possível pedir um comportamento diferente do adotado por alguém, seja diante de um fato, seja diante da própria vida. Advogadoas não necessariamente justificam ocorrências, mas as explicam. Advogadoas trabalham com argumentos.

Como nascemos já cercados de leis e somos educadoas a havê-las como válidas para todos os lugares e tempos, esquecemos que os códigos legais são o resultado de uma relação de poder específica, que ocorre em um tempo e lugar. Uma lei é produzida por quem pode elaborá-la e permanece valendo enquanto preserva interesses de quem pode fazê-la perdurar com validade. Sei bem que é impossível viver sem lei, sei também que as leis têm garantido liberdades e a própria civilização, mas é bem ingênuo considerar que lei significa justiça.

Tome-se o exemplo das drogas. É crime vender droga. Mas é crime vender qual droga? No momento, é crime vender maconha, certo? Mais ou menos. No momento, é crime vender maconha no Brasil, mas essa não é uma regra universal. Há países bem mais avançados socialmente do que o nosso que permitem vender maconha. E outra droga bem mais danosa do que maconha, o álcool? Essa já há tempos é proibida em alguns países e é, atualmente, reprimida em diversos outros. Quer dizer, uma lei havida como adequada para nós não é no momento, ou não foi no passado, ou poderá não ser no futuro, apropriada para diversas outras nações. E nós mesmos podemos mudar de ideia, bastando que se alterem as posições relativas de poder.

Há um exemplo histórico bem forte dessas variações. Havia escravidão legal em boa parte do mundo. Oas escravizadoas eram submetidos à condição de gado para diversos usos, sobretudo na produção agrícola. Na época, a Inglaterra era uma nação muito poderosa. Com a revolução industrial, já não interessava aos ingleses que perdurasse o sistema produtivo escravocrata. Vender máquinas, isso é o que lhes interessava. A Inglaterra começou a interditar navios negreiros, chegando a entrar em portos brasileiros, apreender embarcações, levá-las para alto-mar e atear-lhes fogo. Entre outros motivos, dadas as pressões emanadas do poder inglês, as leis mudaram.

Contudo, no Brasil era lícito se uma escravizadoa fugisse, caçá-loa como a um animal qualquer. Então, imaginemos uma escravizadoa que, desconsiderando a legalidade que nem oa incluía, fugiu. Um capitão do mato, expressão do exercício da lei, alcança-o. Explica-lhe, pois se trata de um capitão do mato tolerante, porém, obediente à valoração legal vigente, que elea, escravizadoa, nem agrediu a lei, que isso é coisa de gente; que o senhor seu dono poderia matá-lo ou, talvez, se fosse piedoso, somente açoitá-lo. Mas que voltasse, afinal voltar era o imperativo da lei. Que fazer? Obedecer às normas? Naquele tempo, talvez oa próprioa escravizadoa pensasse que sim. Hoje, esperamos que todos digam que não.

Agora, que posição se tomaria diante de uma traficante da nossa época? Chama-se oa jovem traficante com boa posição na favela. Elea tem o que o poder do tráfico lhe propicia. E todos sabemos o que o poder pode propiciar. Manda-se-lhe uma agente da lei compreensivoa. Oa agente lhe recomendará o retorno às possibilidades que o sistema lhe oferece: uma peregrinação louca por filas degradantes de empregos miseráveis. Haverá, é de se supor, desobediência. Justa? Injusta? É de se imaginar o que se faria no seu lugar.

Não, não justifico traficante. Antes, tenho medo delea. Mas reconheço-oa como ser histórico que não tem que se pôr obediente aos interesses produtores da legislação vigente. Ademais, qualquer traficante pode responder: “Ora, se é permitido vender uísque ou cerveja, por que não maconha?” E demonstrar com ciência social e médica: maconha é a oitava na lista das drogas danosas, álcool é a primeira (açúcar é a quarta). E indagar: a lei que me enquadra é justa ou protege vendedoresas da droga álcool em detrimento de vendedoresas da droga maconha? E então? É possível advogar e explicar com argumentos a causa doa referidoa comerciante?

* Léo Rosa de Andrade, doutor em direito, psicanalista e jornalista

 

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