Domingo, 15 de Setembro de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 25 de fevereiro de 2023
Até o início de fevereiro, a embaixada do Brasil em Kiev registrava a presença de cerca de 20 brasileiros em território ucraniano. Um ano atrás, antes do início do conflito que pode ter vitimado até 7 mil civis e 200 mil militares, a conta era de mais de 500 nacionais vivendo no país do Leste Europeu.
A grande maioria dos brasileiros, assim como muitos outros estrangeiros que moravam na Ucrânia antes da invasão russa em 24 de fevereiro de 2022, deixaram o país às pressas assim que a operação militar ordenada por Vladimir Putin foi lançada. Milhares de ucranianos também fugiram do conflito.
Mas alguns poucos brasileiros decidiram permanecer no país, apesar dos riscos e dos alertas feitos pelo próprio governo brasileiro.
“O Itamaraty continua a desaconselhar o ingresso e a permanência de brasileiros na Ucrânia enquanto durar o contexto de conflito”, afirmou o Ministério de Relações Exteriores em nota.
Para o padre paulista Lucas Perozzi Jorge, de 37 anos, a definição por ficar foi motivada pela vocação. “Quando começou a guerra eu estava em uma cidade chamada Uzhhorod, que faz fronteira com a Eslováquia. Mas desde então estou em Kiev e assim que cheguei aqui tive a convicção de que esse é o lugar certo para mim”, diz.
O religioso mora na Ucrânia há 19 anos e se formou no seminário Redemptoris Mater de Kiev, como parte de um itinerário de iniciação cristã da igreja Católica. Ele afirma ter recebido várias ligações do Itamaraty sobre sua decisão de ficar. “Eles me perguntavam se eu estava aqui de livre vontade e ofereciam ajuda para voltar ao Brasil, caso quisesse. Mas sempre recusei.”
Perozzi vive atualmente nas dependências da Paróquia Assunção da Santíssima Virgem Maria, de onde já presenciou vários ataques aéreos nos últimos meses.
“O período inicial foi o mais difícil. Kiev era bombardeada duas ou três vezes ao dia e o Exército russo estava ao redor da cidade”, relata. “Mas desde a Páscoa, quando as tropas russas recuaram, está um pouco mais tranquilo”.
“Um dos dias mais assustadores foi quando um míssil atingiu um edifício a cerca de 1 quilômetro da igreja. O impacto foi muito forte e sentimos os vidros e o chão tremer.”
Mesmo com os sustos, o padre afirma que as sirenes de alerta para ataques aéreos não causam mais pânico como no início. E, apesar das orientações das autoridades locais para buscar refúgio sempre que o sinal soar, muitos seguem com suas vidas.
“As sirenes de alerta tocam no mínimo uma ou duas vezes por dia, quando é identificado algum tipo de movimentação aérea do lado russo, mas nem sempre os ataques se concretizam”, disse o brasileiro natural de Presidente Prudente, no interior de São Paulo.
O religioso afirma que, nas ruas da capital ucraniana, a vida parece transcorrer com normalidade até o momento em que escuta os sinais de alerta ou um batalhão de soldados cruza seu caminho.
“Podemos ir ao cinema, mas não há garantia de que vamos conseguir assistir ao filme até o final”, conta.
“Há pouco tempo estava no cinema quando as sirenes soaram. Fomos para o subsolo e assim que o alerta acabou retornamos ao filme. Mas bem perto do final a sirene tocou novamente – e dessa vez não pudemos continuar porque já era tarde e há um toque de recolher em vigor.”
“Para nós já é normal. Mas no fundo sei que viver assim não é normal de verdade – e me causa muito estresse”, admite.
A aparente sensação de normalidade também está presente no discurso de outros brasileiros que vivem na Ucrânia após um ano de guerra.
A paranaense Aline Vittorazzo, de 37, que mora em Lviv, afirma que o soar das sirenes e a movimentação em direção aos abrigos “já virou hábito”.
“Nos acostumamos com o barulho das sirenes. E o próprio povo ucraniano já não se assusta como no começo”, afirmou.
“Antes assim que a sirene tocava todos saíam correndo. Hoje muitas pessoas nem param o que estão fazendo.”
A pedagoga de formação morava em Lviv com o marido argentino, que é jogador do time de futebol FC Rukh Lviv, e a filha Manuela, que hoje tem 2 anos.
Após o anúncio da invasão, ela e a família fugiram às pressas da Ucrânia pela fronteira com a Polônia. O caminho até lá foi difícil – tiveram que atravessar uma grande parte a pé, ao lado de uma multidão que também tentava deixar o país.
Foram 16 quilômetros levando malas, carrinho de bebê e um cachorro. O marido Fabrício estava lesionado, caminhando com muletas, e Vittorazzo teve que carregar grande parte das coisas sozinha. Mas eles conseguiram chegar até o território polonês e, após algumas semanas, retornaram ao Brasil.
Em agosto, porém, o clube para qual Fabrício trabalha convocou seus jogadores a se apresentarem em Lviv e a família tomou a decisão de retornar à Ucrânia. “Somos uma família e não nos separamos – sempre foi assim, sempre seguimos o meu marido e o trabalho dele”, diz.
“Tenho família no Brasil e eles se preocupam, questionam um pouco porque decidimos voltar, mas no fim das contas respeitam nossa decisão.”
No Ar: Pampa Na Madrugada