Quinta-feira, 16 de Maio de 2024

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“ÓIA MOÇO, AS MUIÉ TÃO AÍ”…

Acertou? – perguntei. “Acho que não… atirei mas a Coruja se recusou Morrer”…respondeu o Sr. Willian Stewart Wright, então Presidente da Cia. que eu trabalhava. Mas o que a Industria Automobilística de São Bernardo do Campo tem a ver com isso?. Pois é. Por volta de 1964/65, entre a Fábrica de Motores Perkins (motores a
diesel) e a Willys Overland do Brasil (Jeep, Aero Willys, Pick-up e Rural) nasceu a ideia de equipar a Rural, a Pick-up e o Jeep Willys com motor diesel Perkins, imaginando que dessa simbiose o mercado teria três bons utilitários de trabalho, especialmente, para a agropecuária e para um Brasil ainda sem asfalto. Decididos a tentar, Perkins e a Willys puseram-se mãos-a-obra.

Tinham que levar em conta que alguns modelos seriam 4×4 e outros não. Depois de inúmeros testes com bons resultados, decidiram que Diretores de ambas Cias., devidamente equipados com recursos e assistência técnica, fariam uma grande viagem por longes terras e estradas em regiões ainda em começo de colonização e carentes de, praticamente, todos os recursos da modernidade. Focaram no Norte e Oeste do Paraná e Sul do Mato Grosso. Hoje Centro Oeste. Na época, pouco habitadas.

Prepararam duas Rural Willys 4×4, com motores Diesel Perkins. Numa foram 4 pessoas – 2 da Perkins e 2 da Willys. Na outra foi o André Magalhães Gerente de Compras da Perkins, experiente e tarimbado conhecedor de estradas off-road, cuja missão era a de servir de guia e desbravador da viagem, e junto, um mecânico de motores diesel. Só os dois no banco da frente e atrás, sem o banco, carregaram com 4 caixas de cerveja, gin, whisky, água tônica, pacotes de salgadinhos, biscoitos e bolachas e dois motores normais da Rural e peças, óleo, armas de caça, etc. etc. até mesmo uma lona de caminhão para o caso de terem que passar mais de uma noite ‘presos’ na estrada, atolados no barro ou por defeito mecânico.

Tudo pronto, sem prazo pra voltar, com tempo e dinheiro, partiram de São Paulo pela Rodovia Raposo Tavares em direção ao oeste (rota dos antigos Bandeirantes) rumo à cidade de Ourinhos, distante uns 380 km. Almoço logo depois de SP e uma tarde inteira de viagem, chegaram à noitinha. Na época, até ali tinha asfalto. Depois só estrada de chão. Na manhã seguinte viraram rumo ao Sul e atravessaram a fronteira estadual de SP para o Paraná, tomaram o rumo sudoeste e começaram seus testes e sua aventura. Seguiram sucessivamente para Londrina, Arapongas, Apucarana, Maringá, Paranavaí, atravessaram o grande Rio Paraná e seguiram, heroicamente, até Dourados, no Mato Grosso do Sul (que na época era ainda só Mato Grosso).

Não que tenha sido “assim como quem vai prás pitangas”– tipo “saíram daqui e chegaram lá”… Da saída de São Paulo até chegarem à Dourados, já tinham se passado 8 dias e acontecido todas as aventuras e desventuras, entre atoleiros, dormir na estrada, acampar no relento, dormir na beira do mato no “meio do nada”, acorrentar e desacorrentar pneus (apesar de serem 4×4). Fizeram os testes e um dia, por Graça de Deus, voltaram para SP.

Anos depois (1975), por essas viradas profissionais da vida, em SP, onde morei por anos, conheci 3 deles e fomos bons amigos até todos 3 morrerem, cada um a seu tempo.

Num domingo, no Sítio que frequentávamos em SBC, depois do churrasco, conversando com o André, (o tarimbado) ele me contou toda história da viagem, onde entre tantos acontecimentos teve um, especialmente, cômico, inédito e inesperado. Depois de um dia inteiro de atoleiros, barros infindos, fome e frio, chegaram a um lugarejo onde tinha um pequeno sobrado de madeira que era um “hotel”. Hospedaram-se e pediram por um banho e foram levados a um anexo, construído de tijolos que não passava de 4 boxes, sendo dois com chuveiro e sem portas e dois com meias-portas onde eram as privadas. Os chuveiros eram aqueles latões pendurados, com um regador e uma cordinha que você puxa e abre a água para o banho.

Conta ele: “descemos eu e o mecânico para o banho e como os boxes não tinham porta, perguntamos para um senhor, já idoso, que com uma enxada puxava o barro do caminho. Perguntei: ‘Senhor: tem mulher por aí?’ – ‘Tem sim sinhô’, respondeu. Então decidimos que enquanto um tomasse banho o outro seguraria uma toalha apoiado nas paredes, servindo de porta. ”Ele tomou banho e eu segurei a toalha e depois fui eu”. “Quando estava no meio do banho, meu amigo me diz que o senhor tinha voltado e queria falar comigo”. “Botei a cabeça pra fora e o homem disse: ‘óia moço, as muié que o Sr. pediu, tão aí’…” Que cena mais bizarra, inesperada e cômica. …e agora???… e riu.

Algum tempo depois, também num momento de descontração e lazer, conversando com o Sr. Wright (ex-diretor da Perkins) agora Presidente da Cia. que eu trabalhava, perguntei à ele da tal viagem e das caçadas. Ele falava um português até que aceitável, mas com um sotaque inglês muito forte e me contou algumas desventuras daquela insólita viagem como o fato de seu colega da Perkins ter tido perdido os sapatos naquele heroico hotel e sair gritando pelo corredor: ‘my shoes! my shoes!… shit I want my shoes.’… e que em toda viagem ele não caçou nada. Mas deu um único tiro. Mirando numa grande coruja pousada num galho, disse…”atirei, a coruja me olhou e ‘se recusou a morrer’… olhei pra ela, pensei e desisti…”

Quanto ao motor Perkins na Willys, acabaram desistindo. A Toyota com motor Mercedes já dominava o mercado. Na próxima semana LEMBRANÇAS QUE FICARAM (3) vou contar sobre a morte de Alberto Pasqualini – o homem que deu nome a REFAP – Petrobras Canoas.

 

 

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