Sexta-feira, 03 de Maio de 2024

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Está cada vez mais difícil discernir fatos de inverdades na Internet. Tomadas por uma espécie de avalanche de desinformações, as interações sociais mediadas pelos onipresentes aplicativos estão infectadas por mentiras, travestidas sob as mais ardilosas formas de dissimulação da verdade, com objetivos muitas vezes inconfessáveis ou até mesmo criminosos.  Um dos últimos e mais insidiosos modos de fraudar a verdade lança mão da inteligência artificial (IA) para inserir rostos reais em cenas falsas com o objetivo de criar vídeos com alguém dizendo algo que não disse, contradizendo-se, ou produzindo provas contra si mesmo. Trata-se de um passo além das fake news, impondo à sociedade o enorme desafio de impedir que uma realidade artificial sobrepuje os fatos, comprometendo não apenas as relações entre pessoas, mas abalando gravemente a confiança nos meios de comunicação digitais.

Há mais de 25 anos, Carl Sagan, astrofísico americano foi premonitório ao descrever o futuro das mídias como um repositório de desinformação e pseudociência. Muito embora sejam inegáveis os benefícios que a Internet trouxe para a sociedade, o alerta de Sagan sobre uma espécie de celebração da ignorância é uma realidade inescapável para quem navega pela Rede. O pensador polonês, Zygmunt Bauman, chama a esse atual estágio da revolução das redes sociais de “sociedade liquida”, na qual as relações estão mais fluidas e superficiais. Segundo Bauman, estamos hoje encharcados de informações e carentes de conhecimento, de capacidade de análises combinatórias ou causais inteligentes e consequentes. Umberto Eco, outro crítico importante das mídias sociais, também já tinha alertado sobre o perigo do idiota da aldeia vir a ser portador da “verdade”. Isso se agrava considerando que não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência, conforme tão bem disse León Tolstoi.

Mas não são apenas as mentiras, agora potencializadas pela novidade das “deepfakes” que tornam o quadro tenebroso: a indústria das futilidades também é assombrosa. Sob o “estilo Tik Tok”, as mensagens deste e de outros aplicativos dominantes premiam o impacto visual e são gerenciadas por algoritmos cada vez mais assertivos, tornando menor o poder de escolha do indivíduo. Nesse espaço, há um sequestro crescente do tempo dos usuários, não em leituras e estudos que lhes confiram densidade imaginativa ou intelectual, mas uma ossificação intelectual diante da repetição incessante dos mesmos temas, embalados sob medida para qualquer que seja o gosto dos internautas. Isso tudo, restam poucas dúvidas, impacta não somente a vida dos indivíduos, mas projeta sombras sobre o futuro das sociedades, tais quais as conhecemos. Entretanto, se Sagan foi capaz de auscultar o que hoje experimentamos enquanto a Internet apenas engatinhava, permite-nos também supor que haverá de se encontrar mecanismos de contenção para essa avalanche de notícias falsas que invade a rede.

Um dos mecanismos para fugir do perigo de informações duvidosas, é a mídia tradicional. Sujeita ao desaparecimento na visão dos futurólogos mais afoitos, jornais, revistas, rádio e emissoras de televisão se convertem agora numa salvaguarda contra os riscos que a indústria das fake news nos acometem. Submetendo as notícias ao escrutínio rigoroso das redações, o perigo de uma inverdade tomar proporções epidêmicas, a exemplo de algumas narrativas que povoam a rede, é bastante menor. Ao par da ampla divulgação da pseudociência e da desinformação na rede, também é inegável que a teia complexa, polifônica e difusa das comunicações é a expressão de um mundo que luta para se equilibrar diante de novas premissas de convívio social que emergem. Do mesmo modo que revoluções anteriores defrontaram a humanidade, a atual transformação provocada pela internet apresenta gigantescos obstáculos, talvez o maior deles sendo superar a camada de inverdades que povoa a internet, sem contudo, abrir mão dos imensos ganhos que a comunicação virtual nos trouxe até aqui.

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