Quinta-feira, 02 de Maio de 2024

Home Edson Bündchen Os eternos perdedores

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A possível falta de gás natural russo para a Europa provoca muita apreensão no mundo econômico e geopolítico. A chegada do “General Inverno”, coloca desta vez, não apenas os alemães em alerta, mas todo o velho mundo. Aliás, a corrida pela independência em relação aos combustíveis fósseis tem um tempo de maturação, cujo relógio não guarda exata sintonia com os humores da geopolítica mundial. Assim como na frustrada invasão alemã à URSS, em 1941, também o clima emerge agora como um elemento decisivo para os destinos das contendas em curso. Longe desse problema, pelo menos do seu epicentro, o Brasil enfrenta seus próprios invernos, sem o constrangimento energético vivido pelos europeus, mas de olho nas implicações colaterais que advém dos atuais níveis de incertezas que acometem o planeta. A inflação, cujos efeitos castigam grande parte dos países desenvolvidos, por aqui começa a ser domada, mesmo ao custo de uma Selic extremamente salgada. O rentismo está de volta, com um descolamento muito grande entre a taxa de juros praticada pelo Bacen e a inflação projetada para os próximos 12 meses, o que eleva a dívida interna, deprime novos investimentos, aumenta a pobreza e agrava a desigualdade social, sinalizando um desafio gigantesco ao País. Diferente da velha Europa, não conseguimos ainda suplantar nosso estágio de subdesenvolvimento e, também por isso, não podemos nos dar ao luxo de mais uma década perdida. A questão das contas públicas, nesse contexto, adquire importância capital para a retomada sustentável do crescimento, e a política de juros praticadas pelo Banco Central, deve estar em sintonia com um projeto mais amplo de desenvolvimento nacional.

Segundo o BIRD, a dívida total mundial estava perto de um recorde de US$ 253 trilhões em setembro de 2019, equivalente a algo como 3 PIBs. Na atual crise, com o socorro dos governos às empresas e pessoas, a relação dívida/PIB mundial poderá chegar a 4 ou 5 vezes, induzindo os bancos centrais a aumentarem suas taxas de juros, impondo mais pressão sobre nossa política monetária. O rescaldo desse empobrecimento geral via efeito inflacionário vem carregado por uma crítica pertinente sobre quem exatamente serão os perdedores desse brutal ajuste em curso. Como geralmente acontece, a camada menos protegida contra a inflação é a mais pobre. Por isso, a necessidade da discussão séria e imediata de mecanismos de proteção que excedam socorros eventuais e se convertam numa renda mínima, atrelada a outros indicadores sociais, suportada pelo conjunto da sociedade, e com uma reforma tributária que enfrente esse problema.

No chamado “mainstream” econômico brasileiro, cujo jargão próprio embute ainda um elitismo que ignora as classes menos favorecidas, pelo menos enquanto um fator que sensibilize os tomadores de decisão, a alta dos juros vem sendo tratada com certa condescendência. Entretanto, é preciso reconhecer que, apesar dessa visível ausência do social no discurso padrão dos políticos e donos do capital, a velha máxima de Henry Ford continua em pé: sem uma classe consumidora robusta, para quem vender o modelo T? Ou seja, em última instância, o capitalismo, malgrado sua inclinação natural para a acumulação desmedida, como oportunamente tem alertado o economista Thomas Piketty, não sobrevive sem que um mínimo de distribuição de renda seja garantido.

Esse debate torna-se cada vez mais urgente no momento em que a desigualdade social atinge níveis constrangedores, com os cinco homens mais ricos do Brasil detendo riqueza equivalente à da metade da população mais pobre. Não existe democracia sólida com níveis tão acachapantes de distribuição de renda e injustiça social. Essa realidade, infelizmente, ao contrário do que deveria ocorrer, não tem despertado um conjunto de propostas que indiquem mudanças num horizonte próximo, mas isso precisa mudar. É necessário maior engajamento e entrosamento entre os formuladores de política pública e nossa elite pensante para que mais brasileiros possam usufruir da riqueza nacional.

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