Sexta-feira, 03 de Maio de 2024

Home em foco “Fui escoltada, como se fosse criminosa”: estudantes brasileiras contam como foram barrados em aeroporto e impedidos de entrar na Argentina

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“Eram cinco pessoas me escoltando no aeroporto, como se eu tivesse cometido um crime. Me senti humilhada.” É assim que a brasileira Maria* resume o problema que enfrentou no fim de janeiro, em um dos aeroportos argentinos, quando foi barrada pelas autoridades migratórias do país e mandada de volta para o Brasil como “falsa turista”.

Maria conta que não mentiu a ninguém: afirmou, no setor de imigração, que estava viajando para fazer faculdade e que não tinha passagem aérea de volta, porque a data de retorno dependeria do calendário de aulas. Mostrou toda a documentação da instituição de ensino e explicou que, uma vez em Buenos Aires, solicitaria o direito à residência no país estrangeiro.

Mais de 30 estudantes brasileiros — atraídos pela ausência do vestibular nas faculdades argentinas e pelos baixos valores de mensalidades — também foram impedidos de entrar no país vizinho nos dois primeiros meses de 2024, mesmo após seguirem todos os protocolos que eram tradicionalmente aceitos desde 2009:

* chegar à Argentina como turista, mostrando só o RG;

* e solicitar o visto de estudante ou a residência permanente já em solo argentino.

Desde o início do ano, no entanto, sem aviso prévio, as autoridades migratórias passaram a cobrar que os alunos já chegassem a Buenos Aires com toda essa documentação pronta – caso contrário, poderiam ser barrados.

Advogados e professores de relações internacionais ouvidos pelo g1 apontam para uma resistência maior da gestão do novo presidente, Javier Milei, na recepção de estrangeiros. Já o governo argentino afirma que “nada mudou”.

“O moço [da imigração] foi pedindo meus documentos, e eu entreguei tudo. Fiquei umas três horas e meia esperando uma resposta. Até que ele disse que eu não preenchia os requisitos e que não poderia entrar na Argentina”, conta.

“Perguntei quais eram esses requisitos, mas ele não respondeu. Tentei explicar que o Brasil e a Argentina têm um acordo e que eu poderia, sim, dar entrada na documentação só depois. Ele respondeu: já tomei a decisão e nada vai mudar isso”.

Minutos depois, Maria foi colocada em um avião para voltar a São Paulo.

Acordo

Maria menciona o acordo bilateral entre Brasil e Argentina, válido desde 2009, que prega o seguinte: brasileiros que estejam na Argentina e argentinos que estejam no Brasil podem transformar vistos temporários ou de turista em vistos permanentes, desde que apresentem a documentação correta e paguem as taxas migratórias.

Essa decisão representa até hoje uma facilidade em relação aos outros membros do Mercosul, que só conseguem pleitear um visto permanente no Brasil e na Argentina depois de dois anos do documento provisório.

“O que sempre aconteceu foi que os brasileiros ingressavam como turistas na Argentina e pediam só depois o direito à residência. Tinham 90 dias para isso. Quando todo o trâmite terminava, eles passavam a ter os mesmos direitos e obrigações que os cidadãos argentinos”, explica Liziana Andrea Amaran, advogada nos dois países.

Arthur Murta, professor de relações internacionais da PUC-SP, explica que há uma “brecha” no acordo.

“O texto só fala que, uma vez em solo argentino, o brasileiro pode pedir a residência. Mas não diz nada específico sobre a admissão no país [ou seja: se a pessoa entrará com visto de turista ou não]. Milei está se valendo disso para barrar os estudantes estrangeiros: passou a exigir passagem de volta ou visto de estudante”, afirma.

“O que ele [presidente argentino] está fazendo é ilegal? Não. Todo país tem direito de não deixar alguém entrar em seu território, desde que o indivíduo esteja descumprindo algum requisito migratório ou for visto como ameaça.”

No entanto, para o professor, no caso dos brasileiros barrados, houve uma “criminalização da migração”, porque eles não foram comunicados previamente sobre qualquer mudança nos critérios de admissão no país.

“O que Milei faz segue o padrão da extrema-direita internacional. Brasil e Argentina sempre tiveram uma relação diplomática muito bem consolidada, até em momentos antagônicos politicamente.”

Natalia Fingerman, professora de relações internacionais do Ibmec-SP, também reforça que, antes do governo Milei, pedir o direito à residência só depois de chegar à Argentina nunca foi tratado como problema.

“Mudar isso foi uma medida autoritária e unilateral para reduzir o fluxo de estudantes estrangeiros. É algo fora do jogo diplomático, sem avisar o Ministério das Relações Exteriores”, diz.

O Itamaraty afirmou que o acordo bilateral Brasil-Argentina continua em vigor, sem alterações, mas que “a percepção das autoridades migratórias argentinas agora é de uma aplicação mais estrita da regra [de imigração]”.

A assessoria do setor de migração do governo da Argentina também diz que nada mudou, mas não admite qualquer rigidez maior no controle de imigração atual.

“Não houve nem haverá nenhuma mudança na legislação migratória argentina. De janeiro a fevereiro, 30 brasileiros foram impedidos de entrar no país. Isso é menos de 0,5% do total de brasileiros que chegaram neste período. São números muito parecidos com os de 2023”, diz a representante do órgão.

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