Domingo, 05 de Maio de 2024

Home Economia Haverá um impulso inflacionário se o dólar mudar permanentemente de patamar

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As turbulências atuais já eram previstas, com a reversão de expectativas otimistas demais por parte dos investidores quanto ao afrouxamento da política monetária nos EUA. Cortes rápidos das taxas, ignorando a base cautelosa das afirmações das atas do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), se revelaram enorme erro de cálculo. A persistência de juros maiores nos EUA, uma possibilidade sublinhada pelo Fed há meses, está na base da volatilidade atual nos mercados financeiros globais. A consequência direta, o fortalecimento do dólar, afeta países com diferentes graus de solidez econômica. No caso do Brasil, foi um mau momento. Apesar de a economia apresentar performance razoável, o governo brasileiro ignorou os sinais de resistência inflacionária e abandonou a promessa de controle, já frouxa, trazida pelo novo regime fiscal.

Mas, assim como os investidores erraram no otimismo, podem estar errando agora na direção contrária. O FMI já advertira há meses que o movimento de reavaliação dos preços dos ativos em caso de manutenção dos juros nos EUA por mais tempo sacudiria as economias emergentes pelo canal financeiro.

Essa ameaça não atingiu o Brasil pelo lado mais perigoso, o da fuga de dólares e problemas no balanço de pagamentos, com diminuição da capacidade de respeitar seus compromissos – as reservas nacionais são de US$ 352 bilhões -, e sim pela desvalorização cambial e seus efeitos potenciais sobre a inflação doméstica. Foi a combinação inusual de aumento dos preços das commodities e do dólar em relação ao real que fez a inflação ultrapassar os dois dígitos (10,06%) em 2021.

Haverá um impulso inflacionário se o dólar mudar permanentemente de patamar, o que não é uma certeza. Em repiques anteriores ele regrediu – ainda no início de abril a cotação foi de R$ 5, oscilando abaixo disso por quase um ano. Um problema premente, porém, é o do reajuste de combustíveis. Antes da disparada da moeda americana, havia defasagem estimada de 17% nos preços domésticos da gasolina e de 12% no caso do diesel. A desvalorização do real torna a defasagem maior, assim como dá urgência à necessidade de correção. Um reajuste de 10% levaria o IPCA a subir 0,49% no mês subsequente, o que não é pouca coisa diante de uma inflação em 12 meses de 3,93% em março.

Os cenários doméstico e externo, já qualificados como incertos na ata da mais recente reunião do Copom, tornaram-se ainda mais fluidos. Assim, não é possível determinar com qualquer precisão se o balanço de riscos delineado pelo Banco Central se alterou. Diante do aumento dos riscos para a inflação, seu horizonte de orientação futura foi reduzido de dois meses para um.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, indicou que mesmo a sinalização de novo corte de 0,5 ponto em maio está em xeque e abriu, em palestras em Washington, um leque de quatro possibilidades. No caso de mudanças significativas que o obriguem a modificar o cenário de risco, o processo de queda dos juros já seria interrompido na próxima reunião, dentro de três semanas. Se as turbulências forem passageiras, como chuvas de verão, o corte de 0,5 ponto percentual da Selic estará assegurado. Se a volatilidade continuar alta, sem que seus efeitos sejam mais graves do que os que já se manifestam, o corte de juros seria atenuado para 0,25 ponto percentual. E, no caso de um cenário de forte estresse global, a Selic poderia voltar a subir.

Alguns graus de instabilidade foram acrescidos a esse quadro com a mudança das metas fiscais trazidas pelo projeto de LDO de 2025. Ficou comprovado que o governo não tem interesse em persistir na busca do equilíbrio das contas públicas e está mais interessado em obter crescimento a qualquer custo, mesmo com a inflação ainda desancorada, tornando mais difícil sua queda e mais provável sua elevação. Os efeitos da frouxidão fiscal, porém, se manifestam ao longo do tempo, mas com efeitos imediatos nas expectativas, que pioraram.

Salvo desastres geopolíticos, a situação econômica global pode não ser muito afetada pela revisão das expectativas e os mercados se reacomodarem em breve. A inflação resistente no mundo inteiro deve exigir juros maiores por mais algum tempo, o que não é sinônimo de catástrofe à vista. Porém, mais uma vez, após um bom intervalo de tempo para consertar o problema fiscal, nova onda de instabilidade externa atinge o Brasil e pode obrigar a taxa Selic a estacionar em nível indesejavelmente alto. Parar com taxa real perto de 6% inibirá investimentos e o crescimento da economia, além de piorar as contas fiscais. (Opinião/Valor Econômico)

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