Terça-feira, 19 de Março de 2024

Home Edson Bündchen Tropeçando na mesma pedra

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Sempre houve uma certa inquietude em relação aos problemas irresolúveis do mundo, para os quais olhamos com angústia contemplativa, já que a maioria das mudanças nos carrega feito mariscos jogados contra as rochas. Em diferentes níveis, e cada dor refém de sua época, o homem tenta encontrar a tranquilidade impossível, num mundo em crescente instabilidade e ebulição. Essas idas e vindas da história deveriam gerar um aprendizado que nos impedisse de cometer os mesmos erros, mas não é bem isso que tristemente testemunhamos. No trecho memorável do discurso proferido no final do filme “O Grande Ditador”, Charlie Chaplin revela toda a sua aflição diante de um futuro sombrio, no já distante ano de 1940…”O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.”

A atualidade dos medos de Chaplin é reveladora: continuamos errando, e a história tem sido pródiga em empilhar exemplos disso. Alguns anos antes do consagrado ator inglês proferir seu icônico discurso, ao final da Primeira Grande Guerra, outro gênio que o século XIX produziu, abandonava a delegação inglesa que discutia as sanções a serem aplicadas a uma Alemanha arrasada. Para o ainda jovem John Maynard Keynes, as condições inéditas impostas aos alemães iriam, inapelavelmente, conduzir o mundo ao desastre, fato que tragicamente veio a se confirmar com a ascensão do Nazismo. Esse erro de avaliação, entretanto, não ocorreu poucos anos depois, quando o tratamento dado à Alemanha e seus aliados no pós-guerra de 1945, teve o cuidado de permitir a reconstrução e a integração dos vencidos, possibilitando o fortalecimento da democracia e a germinação do estado de bem-estar social que vigora até hoje, especialmente nos países escandinavos.

A resenha da não linearidade, contudo, teve na condução do fim da Guerra Fria outro exemplo notável de que somos, talvez, o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra. Essa ausência de aprendizado histórico ficou cristalizada quando Francis Fukuyama, asseverou o “fim da história” com a queda do Muro de Berlim e a ascensão irrefutável da ideologia capitalista, da democracia e do liberalismo econômico. Essa crença inabalável que motivou Fukuyama parece ter levado a Europa e seus principais países a não tratar com a mesma condescendência o rescaldo do Pacto de Varsóvia, particularmente em relação aos interesses da Rússia, país cuja história e natureza sempre exigiram especial diligência. A Europa foi incapaz de construir, junto com a própria ONU e demais países, uma paz duradoura que ampliasse seus efeitos para além dos montes Urais.

Esse quadro tenebroso, no qual a invasão atual da Ucrânia retrata a fragilidade da paz mundial, agora num cenário de risco nuclear, sinaliza que um novo arcabouço diplomático terá que emergir, quem sabe com fundamentos semelhantes que fizeram a Europa não repetir “Versalhes” e deixar florescer sociedades antes inimigas, diante do preço de germinar tiranias e instabilidade social. Essa mentalidade passa a ter importância crucial e ainda mais estratégica no momento em que a escalada chinesa desafia a ideia de que o progresso é impossível sem democracia, quando novos blocos econômicos redesenham a economia planetária e as soluções requerem ações compartilhadas, muitas delas não mais estruturadas a partir da hegemonia americana. Dessa fé na capacidade do homem de não repetir os mesmos erros depende o futuro de todos nós, pois, como assinalou Chaplin: “sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido”.

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